Apelo de Vida ao Campo
Poemas | Antologia Clube da poesia e declamação gaúcha | JOSETI GOMESPublicado em 02 de Novembro de 2025 ás 22h 54min
APELO DE VIDA AO CAMPO
Joseti Gomes
João-de-barro busca a massa
pra levantar as paredes
de um ranchito para o pouso.
Mas que barro? Se de novo
o céu pintado de estrelas
não derramou nenhum pranto
de apagar dor e mormaço.
A cerca fez vistas grossas
quando deitou os arames
sobre o pasto desbotado.
Grampos e crinas nos fios
são marcas de um desafio
de intenções diferentes:
bois empurrando arames,
homens cercando terras,
agora, grandes pra o gado.
Cocho de sal solitário,
ruminando à meia tarde,
enquanto o suor verte e arde
no lombo de uma só rês...
Do campo à mesa das casas
como num bater de asas
cruzaram uma por vez.
Não mais que meia colônia
para o milho e o feijão,
trigo, aipim e batata,
bois de canga e a carreta.
Capão de mato pequeno
e a sanga de olhar moreno
que se adelgaça aos pouquinhos
cruzando o lado vizinho
que sofre da mesma sorte.
A gurizada inocente,
sem ter total consciência,
viu cortinas de aparências
ruírem seus horizontes
que ficaram bem mais longe
das brincadeiras nas poças,
de se lavar nas vertentes,
coisa normal dessa gente
que trinca garrões na roça.
Judiaria ver o fogão
cozinhando a carne magra
de uma novilha pra leite...
Judiaria ver espigas,
de cabeleira amarela,
fritando dentro das palhas
contorcidas pela falta
das nuvens gordas escuras,
de derramar águas puras
pr’essas bonecas de milho.
Tudo arde ali no “beco”
que outrora já foi tranquilo;
hoje enfrenta um tempo feio
de fumaça e labareda,
cobrindo de luto a terra
que um dia, na primavera,
viu flores entre o capim.
Primavera deu espaço
pro verão que trouxe a seca.
O outono tremeu de frio
junto a geada do inverno.
Na balança deste cerne
resistiu firme o palanque
de uma raça bem gaúcha:
Um casal de pele parda,
dois guris e seus remendos,
costurados ponto a ponto
e um altar de encontros
pra gratidão dos pedidos
que o Pai maior das alturas,
por vezes, ficou devendo...
Contam “contas” do rosário
em ladainhas e cantos:
“Glória ao pai, ao filho
e ao Espírito Santo...”
Tudo é parte do ritual,
até a chuva miúda
de enuviar as retinas
que é engolida em soluços
morrendo dentro do peito
curtido a pedras de sal.
O calor seca as entranhas,
poda a vontade em sementes...
O frio demais também queima
a pele frágil das folhas
que acordam pra florescer...
O que se pode fazer
se a natureza que é mãe
nem sempre ajuda o colono?
E quando o céu entristece,
inundando as esperanças
de alimentar essa gente,
dói o peito em ver a terra
se afogando em mar vermelho,
encharcando essas ninhadas
de emplumar todo o terreiro
ciscando em busca do incerto.
Dói a súplica em pedidos
diante da capelinha,
no apelo de vida ao campo
de quem não vai desistir.
É gente que finca os pés
na vida que recebeu
e sem frouxar um só tento
resiste a força dos ventos
para honrar o que é seu.
É brabo ver na estrada
cortes fundos nos barrancos!
A sede em bocas abertas,
atirada feito as pedras
que rolam de lá pra cá
suplicando a quem passar,
por conta de uma partida,
que volte trazendo vida
pras coisas deste lugar!