O rio corre lentamente embalado por sons de natureza tranquila.
— Segue o rio até ele se tornar uma cachoeira, a sua força será o seu guia. — Essa foi a orientação recebida, parece até que estou em um filme de ficção.
Sigo adiante. Descanso um pouco, e, me pego a pensar as razões que me levaram a este caminho. Aos vinte anos eu tinha certeza do que eu queria e seguia confiante enfrentando cada obstáculo, sempre com disposição de querer mais e mais desafios. Isso durou mais de uma década. O casamento veio, filhos também. Porém um tempo depois o divórcio me abraçou mais apertado do que a família. Continuei meus trabalhos não com a mesma dedicação, e como a família também ruiu.
Tudo cambia já dizia a canção. E, com o passar do tempo reconstruir outra família, outra empresa e segui outra vida. Todavia no último ano tudo mudou, não tenho o mesmo empenho, vigor e coragem de antes. Desde então procuro sair desse ralo que me leva cada vez mais para o fundo, girando e me atordoando dia após dia.
Nessa minha busca tentei de tudo. Desde psicoterapia que pouco valia me deu. Me fez apenas relembrar infância e constantemente questionar a relação e amor dos meus pais, mais me atrapalhou do que ajudou.
— Precisamos entender o seu passado para entender o seu futuro. — Dizia ele com aquela voz de certeza psicanalítica que considera uma afronta, ou melhor uma resistência ser questionado.
— Eu não quero gastar tempo desnecessário com o passado. Quero, preciso melhorar o meu presente. Apenas isso!
— Você está perdido. E, para que tanta agressividade, tanta revolta. Será que esse enfrentamento deslocado contra mim, não representa a revolta reprimida que você guarda de seu pai? – Me falou de forma acusativa, me forçando a ficar quieto para refletir.
Fiquei em silêncio, afinal ele estava certo. Não em relação ao meu pai, ou meus pais. Simplesmente, estava perdido e percebi que seria pouco útil aquele caminho. O meu guia estava mais curioso com o meu passado do que o meu futuro. Não se dirige muito tempo com segurança olhando apenas para o retrovisor. Despedi-me em silêncio, e, foi aquela a minha última sessão de análise.
Procurei outros mentores. Fui a constelações e novamente o passado era tudo que se buscava. A diferença era que agora me ligavam a mais e mais pessoas. E, em um dado momento em outras vidas. Definitivamente aquele não era o meu caminho. As interações me fragmentavam muito mais do que me esclarecia. Senti-me como um mapa recortado em quebra cabeças, cada pedaço espalhado pela sala, precisando de mais e mais ajuda para me montar, para me recompor.
— Estabeleça metas! Acorde mais cedo! Produza freneticamente. — Dizia o coach que me treinava, só que nunca entendi para que jogo.
— Mas, para que as metas, se eu já produzo. Preciso que isso faça sentido. — Dizia em alguns momentos que me cansava daquela receita pronta de métodos que ajudam a ter sucesso e na maioria das vezes infeliz.
Procurei outros mentores, e foi em uma tarde de domingo que fiquei sabendo deste caminho. Eu estava assistindo a uma partida de futebol pela televisão, e, sinceramente não faço a mínima ideia de quem estava jogando. Nem muito menos o placar do jogo. O que me lembro que navegava pela internet aleatoriamente, enquanto aguardava o início do segundo tempo da partida.
Naquele momento muitas paisagens apareceram na tela, com a seguinte descrição conheça a jornada. Poderia ser mais um daqueles cursos que não me levariam a lugar algum. Contudo, era diferente. Invés de promessas ou soluções milagrosas apenas afirmava para conhecer a jornada, apenas isso e imagens e som de natureza. Imaginei que poderia fazer sentido. Imediatamente chequei o site e as formas de entrar em contato. E, apenas isso. Segurei o meu impulso e apenas isso.
Nas semanas seguintes, retomei a minha rotina tentando melhorar dentro do possível a minha vida. Mas, aquela frase, aquele alerta não saiam de minha cabeça. Conheça a jornada! Levou mais alguns dias para eu entrar em contato, e me inteirar um pouco mais. As informações eram poucas, todavia davam credibilidade e segurança. Exigiam o contato de três pessoas para serem informadas das condições do deslocamento, além destas poderem relatar informações a meu respeito. Se fosse uma armadilha era muito bem elaborada. Exigia que eu fosse sozinho e reservasse de 10 a 15 dias para fazer a jornada. Pedia alguns exames de saúde e declaração de esta decisão ser livre e que eu deveria manter o sigilo sobre os métodos empregados na jornada.
Nos próximos dias embarquei rumo ao desconhecido. Ao chegar ao aeroporto um jovem discreto, e, com a cara um pouco fechada veio ao meu encontro. Me informou que iríamos para o ponto de apoio. No caminho tentava puxar assunto.
— Como é a jornada? Tem muita gente lá?
— Você já vai conhecer. Segure tenha calma. — Dizia ele sem tirar os olhos da estrada.
— Você já fez a jornada? — Perguntava eu ainda mais curioso.
— Cada um tem a sua jornada para percorrer. Chegamos.
A caminhonete estacionou em frente a uma pousada na entrada de um grande bosque. Acredito que esse era o referido ponto de apoio. Ele me ajudou a levar as coisas para o meu apartamento. E, educadamente me pediu para abrir a mala. Logo em seguida me orientou.
— Leve apenas o necessário. Na cômoda tem uma mochila e alguns objetos que serão necessários para a sua caminhada.
Pensei eu que estava no local para a minha jornada. Fiquei em silêncio. E, comecei a me preparar. Antes de sair ele me recomendou.
— Se apronte, e vá ao refeitório. É bom se alimentar adequadamente antes de sua partida. Te aguado na recepção.
Após aprontar, e, estar devidamente alimentado, mesmo não sabendo muito bem o que isso significa. Me desloquei até a recepção. Quando ele me viu, se levantou e prontamente falou.
— Vamos! Me acompanhe.
Me conduziu para uma área aberta nos fundos da pousada, caminhamos uns 300 metros parando em frente a um portal de tijolos a vista. Não tinha nenhuma descrição, sei muito bem. Pois procurei qualquer dizer filosófico ou mensagem de inspiração naquelas colunas. Apenas tijolos e cimento.
Em seguida ele me orientou que minha jornada começaria ali. E, eu faria sozinho. A única orientação esta foi a única orientação recebida.
— Segue o rio até ele se tornar uma cachoeira, a sua força será o seu guia.
Comecei a minha jornada mata a dentro. Não sei o quanto andei até chegar no rio. Apenas sei que a distância e o tempo funcionam diferente quando se está em uma floresta. Se eu tivesse um relógio ou um celular talvez teria alguma noção. Mas, foi dito que isso não me ajudaria em nada, e, que toda carga desnecessária iria me atrapalhar. Então a contra gosto, fiquei sem nenhuma marcação de tempo.
Depois de algumas ou muitas horas, não tenho certeza comecei a ouvir o som de água. Tropecei algumas vezes e cheguei a um rio de pouca correnteza. Acredito que é o rio, só que não o lugar certo. Parei para descansar antes de prosseguir. O que eu denominei como sendo a primeira etapa da jornada.
Segui caminhando próximo ao leito do rio até ao entardecer. Parei em uma clareira, acreditando que ali seria um ponto de apoio previamente estabelecido. Naquele local encontrei uma cobertura, tendo em seu interior uma rede, e alguns assessórios que me poderiam serem úteis para passar a noite. Especialmente, um retângulo feito de tijolos com marcas de que aquele lugar seria o apropriado para se fazer uma fogueira, sem o risco de incendiar por inexperiência e descuido.
Passei a noite ali. Não ter a noção das horas foi estranho. Mas, nitidamente revigorante, parece que pela primeira vez em muitos anos eu não era escravo do tempo. Pela manhã me lavei as margens do rio e segui o meu caminho.
Acredito ter sido antes do meio dia, pois o sol não aparentava tão forte. Que percebi as águas correrem mais fortemente, e, em seguida consegui avistar queda d´água. No local que eu estava não era possível ver a dimensão da cascata. Pude apenas perceber que existia uma trilha que serpenteava aquela queda. Foi muito cansativo descer a estrada, mas o vigor parecia aumentar na medida que eu sentia me aproximar de meu objetivo, de meu destino. Ao concluir a descida percebi que a orientação na pousada fazia todo o sentido. Se eu tivesse trazido mais coisas eu não teria conseguido. Qualquer peso, qualquer objeto poderiam servir de distração e risco nessa nova etapa. Me permitir apreciar o que eu encontrara. Sons da natureza com seus cheiros característicos, e, tanta beleza que, os olhos quase não distinguiam entre a minha busca, e, o caminho natural a minha frente. Respirei fundo e continuei a jornada.
Pouco tempo depois me deparei com um pequeno acampamento com seis chalés e um pequeno galpão no meio da mata. É aqui. Só pode ser aqui falei alegremente como se alguém pudesse me ouvir.
— Você é o meu mentor? — Perguntei ao senhor de roupas simples que caminhava próximo de um canteiro com uma variedade incrível de vegetais.
— Nessa vida todos somos mentores em algum momento. Quer aceitamos o fato ou não. — Falou ele, continuando a passear pelo canteiro.
— Deixe a sua mochila no primeiro chalé. Depois me encontre aqui para auxiliar no preparo da refeição.
Achei aquilo estranho. Mas, como tudo estava sendo estranho, não resolvi questionar. Terminamos de cuidar da horta. E em cada planta ele me ensina sobre o sentido que elas tinham na natureza. Fizemos a refeição junto. Na verdade, foi mais difícil do que imaginava. Pois ouvir mais e falar menos era algo que eu não estava acostumado. E, também pelo fato de saber a poção exata de alimento a preparar, sem guardar ou jogar sobras. Visto que não havia ali refrigerador, e, o meu anfitrião me alertou inúmeras vezes em usar somente o necessário.
Após a refeição ele me disse que sabia porque eu estava ali. E, disse que poderia me auxiliar na busca de aonde encontrar coragem.
— Onde encontrar coragem. O senhor que dizer. — Disse tentando corrigi-lo.
— Não é onde e sim aonde. A coragem está sempre em movimento. Está no leito calmo do rio. Na correnteza que tudo leva. Está na brisa suave nas árvores. Nos sons ao seu redor. No silêncio constante da mata. No barulhento agitar de seus pensamentos. Na terra e em tudo que ela produz. E no fogo que aquece sem destruir. Nos próximos dias você irá aprender e viverá tudo isso. Mas por enquanto, é hora de aceitar a primeira lição. A coragem está sempre em movimento.
Percebi naquele momento que a jornada valeria a pena, e ampliaria meus sentidos.