Além do Silêncio
Prosa Poética | Carlos Roberto RibeiroPublicado em 02 de Novembro de 2024 ás 13h 07min
Dia de Finados. Uma linha tênue entre o tempo e o eterno, uma data que dança sobre o mistério, um murmúrio de preces antigas que atravessa gerações.
Não é apenas um dia para os mortos; é um chamado profundo, uma maré que leva e traz perguntas, uma busca incessante por sentido onde parece haver silêncio. É memória, é perda, mas também é um ponto de encontro para tudo o que nos conecta aos que partiram.
Os astecas, com seus rituais de fumaça e cantos ao deus Mictlantecuhtli, compreendiam que a morte era apenas uma estação — uma pausa para a alma, que segue em viagem por um submundo de sombras e sabedoria. Nada ali se encerra.
E é este mesmo fio invisível que se estende até os terreiros e altares das religiões afro-diaspóricas, onde a morte é apenas um modo diferente de presença. No Órun Rere, dizem os que têm olhos para ver, a paz envolve os que amamos e guardamos em saudades. Ali, nos altares do invisível, eles continuam, habitam um espaço onde seus passos ainda ressoam em nós.
No Catolicismo, o purgatório reflete esse entre-lugar — não um fim, mas uma travessia. Um tempo em que a alma, purificada em suas fraquezas, aguarda a porta da Glória. No "Dia de Todas as Almas", as preces dos vivos buscam elevar os que já caminham pelo invisível. É um gesto de amor, de quem compreende que a vida não cessa em sua última batida, mas apenas muda de forma, de cor, de ritmo.
Mas o que dizer da ciência, da fria explicação biológica que vê a morte como uma interrupção exata, uma falha elétrica no ciclo natural? Para o materialismo, não há sopro que persista, não há mistério que continue. E ainda assim, a alma humana se recusa a aceitar que somos apenas poeira ao vento.
Por isso, resistimos. Criamos mitos, erguemos teorias, desenhamos pontes invisíveis para além do que os olhos enxergam, porque nos recusamos a aceitar o fim como resposta.
Há, então, uma dualidade que cada cultura tenta resolver à sua maneira. Dentro de nós, essa ânsia pelo infinito dança entre o medo e a esperança. Sabemos que o corpo se vai, mas algo em nós teima em permanecer, atravessar o tempo, como um eco que recusa o silêncio.
O Dia de Finados nos leva a celebrar o que há de vivo em nossa saudade. Quando recordamos aqueles que já não estão aqui, reafirmamos que a jornada continua. E, ainda que o rumo seja um mistério, o que carregamos é uma certeza: não somos finitos, somos faíscas de algo maior.