Águas desilusórias
Crônicas | 2023/1 - Antologia Encantos Poéticos | Karen SouzaPublicado em 20 de Janeiro de 2024 ás 11h 15min
ÁGUAS DESILUSÓRIAS
KAREN SOUZA
Estavam em completo silêncio, a não ser pela chuva. Andejavam a certo tempo, não esperavam que o clima fosse mudar tão repentinamente. Adriano percebeu o aborrecimento que Geovanna sentia ao início da garoa. Mas ambos nada disseram. Já estavam calados a vários minutos.
Nem mesmo quando a chuva se intensificou eles aumentaram o ritmo da caminhada ou decidiram procurar um abrigo. A moça já não aparentava estar incomodada com o temporal, o rapaz nunca o esteve, mas os dois tinham a mesma preocupação: o evidente término do relacionamento.
Adriano observava Geovanna disfarçadamente. Notou que ela se locomovia com certa dificuldade, devido às sandálias que não eram apropriadas para caminhadas de longas distâncias, muito menos na chuva. Ela parecia distante, perdida entre recordações e pensamentos.
O rapaz também estava reflexivo. Cada local que percorriam trazia a sua memória alguma lembrança dos momentos que passaram juntos. O colégio, por exemplo, o fez lembrar da época na qual eram adolescentes e estudavam juntos. Os visualizou voltando da escola juntos em um dia chuvoso, dividindo um guarda-chuva, que era pequeno, os fazendo manter uma proximidade extrema. Soltavam risadas constrangidas e se olhavam de maneira tímida, ainda não namoravam. Mal desconfiavam que começariam uma história que se prolongaria por anos.
Adriano continuava a contemplando. De tempos em tempos, ela tentava sem sucesso enxugar o rosto ou coçava as sobrancelhas. Permanecia com uma beleza singular e um encantamento indescritível, mesmo cansada e encharcada pela chuva, que ficava cada vez mais intensa.
Em um certo momento, passaram por uma das poças de água, o que fez Adriano se lembrar de algo que fazia quando saíam na chuva e a deixava irritada. Decidiu repetir o hábito pelo o que sabia que seria a última vez: pisou forte na poça, molhando a ambos. Ela, no entanto, não expressou indignação; apenas um riso nostálgico, que expressava uma saudade antecipada.
Passaram por uma rua que abrigava alguns cães abandonados. Geovanna recuou de imediato e seu companheiro pegou sua mão por extinto, pois tinha conhecimento do medo que ela sentia daqueles animais. A mão dela estava fria e suave, trazendo à mente de Adriano todas as vezes em que caminhavam daquela mesma forma, de mãos dadas. Mas reconhecia o fato de que agora seria diferente.
Para a surpresa do casal, chegaram à rua da casa do moço quando menos esperavam. Pararam de andar e ele abriu a boca com a intenção de dizer algo, mas logo desistiu. Se fitaram por um momento, sem se preocupar com o chuvisco que se transformara em uma tempestade, até que Adriano perguntou:
— Você... quer que eu te acompanhe até sua casa?
— Não, claro que não, está meio longe. Mas obrigada. É melhor você entrar e parar de tomar chuva, ela sempre te deixa doente.
Era verdade. Ele sabia que acordaria mal no dia seguinte, embora a sensação física não pudesse ser comparada com a dor emocional. Mas sentia que precisava de mais algum tempo, tinha necessidade de fazer ou dizer algo a mais. Declarou:
— Posso te emprestar meu guarda-chuva, se você quiser.
— Não precisa, Drico, sabe muito bem que eu não vou poder devolver.
Ele sentiu um nó se formar em sua garganta, porque aquilo o lembrava de que não se veriam mais e por ela tê-lo chamado pelo apelido, fazendo múltiplas memórias vierem à tona.
— Não precisa devolver. Fique com ele, pode guardar como recordação.
E, sem esperar pela resposta, com receio de que fosse negativa, entrou apressadamente em sua casa, retornando com um guarda-chuva preto que — ambos perceberam — era muito parecido com aquele que dividiam na adolescência.
— Aqui está. A essa altura do campeonato não vai ser muito útil, mas...
Não terminou a frase, deixando-a perdida no ar.
— Bem, acho que já vou indo, Drico.
E se abraçaram. Não se beijaram, nem declararam amor um ao outro, apenas mantiveram um abraço apertado por longos segundos, que, apesar da chuva, os fez desejar que aquele momento durasse por toda a eternidade.
— Obrigado por tudo. — Ele murmurou.
— Entre na sua casa, a chuva está piorando. Eu já vou indo. Obrigada pelo guarda-chuva e... por todos esses anos também.
Ela não imaginava que, ao virar as costas e ir embora sem olhar para trás, ele manteria o olhar fixo nela e, quando não pudesse mais vê-la, apesar das insistências de Geovanna para que ele entrasse na casa, Adriano permaneceria inerte, sem pensar na intempérie ou no subsequente resfriado, as lágrimas misturadas à água da chuva.