A Tarde em Que o Sol Morreu
Contos | 2025 - JANEIRO - Novos horizontes. Poesias de recomeços | ViníciusPublicado em 19 de Janeiro de 2025 ás 18h 00min
No coração do velho casarão, os raios de sol da tarde entravam pelas cortinas pesadas como dedos de ouro, tocando o rosto de Heloísa. Ela estava sentada à mesa, imóvel, fitando uma rosa vermelha em um vaso de cristal. A rosa parecia desfalecer, suas pétalas já começando a murchar, como se o tempo tivesse conspirado contra sua vitalidade.
Seu marido, Eduardo, estava atrasado novamente. Já fazia semanas que ele chegava tarde, sempre com desculpas inconsistentes, e Heloísa sentia que a rosa morria por causa disso. O tempo não perdoava; ele passava e corroía, tal como fazia com o amor que um dia existira entre os dois. A cada noite que Eduardo chegava, seus olhos evitavam os dela, o beijo na testa era frio, e o corpo dele exalava um perfume que não era o seu. O doce aroma de outra mulher.
Heloísa apertou o anel de casamento no dedo com força, sentindo o metal frio. O ouro, pensou, é eterno. Mas o amor? Seus pensamentos voavam como pássaros em busca de respostas, mas só encontravam sombras. A traição de Eduardo pesava como chumbo em seu peito, um veneno silencioso que corria em suas veias.
A mesa, com sua toalha de linho impecável, era o cenário de um casamento que agora era apenas uma encenação. Os talheres brilhantes e os copos reluzentes refletiam uma perfeição falsa. E, no centro de tudo, aquela rosa. A flor do desejo, murmurou para si, lembrando-se de quando Eduardo a trouxera pela última vez.
Ele chegava com rosas toda semana. Sempre vermelhas, sempre perfeitas, mas Heloísa sabia que, para ele, elas eram apenas adereços de uma mentira que ele alimentava. As rosas nunca morriam em suas mãos; eram sempre frescas, roubadas de um jardim que não era o dela.
Heloísa levantou-se e caminhou até o grande espelho no final da sala. O espelho, antigo e manchado pelo tempo, refletia uma mulher que já não reconhecia. A juventude ainda estava ali, mas seu brilho havia sido ofuscado pela dor e pela dúvida. O espelho, como testemunha silenciosa de sua angústia, parecia devolver-lhe a imagem de uma mulher cansada, embora ainda bela.
Ela tocou o reflexo de sua aliança e, por um momento, o metal refletido parecia derreter como cera, distorcendo-se. O tempo, o grande inimigo. Era isso o que Eduardo não entendia. Ele, em sua busca por prazer, acreditava que poderia escapar das garras do tempo, buscando a juventude em corpos alheios. Mas o tempo nos pega a todos, pensou Heloísa, com uma amargura crescente.
Sobre a lareira, o retrato de Eduardo a observava. No quadro, ele sorria com altivez, o olhar firme, como se soubesse de um segredo que ela não podia decifrar. Ela se perguntava se o pintor havia capturado a verdadeira essência dele – um homem que, no fundo, jamais a amara. Heloísa aproximou-se do retrato, olhando fixamente nos olhos pintados do marido. Você já me traiu tantas vezes antes de me trair com outra mulher, sussurrou. Traiu-me com suas mentiras, com seu silêncio, com sua ausência.
Mas agora, Heloísa sabia que não estava só. A própria casa parecia conversar com ela, sussurrando segredos através das rachaduras nas paredes, como cúmplice de sua dor. Cada estalido no assoalho, cada ranger das portas ao vento, eram respostas à sua inquietude.
Naquela tarde, ela havia decidido dar um passeio pelo jardim. O jardim da casa sempre fora seu refúgio, um lugar onde ela podia se perder entre as plantas e as árvores altas. No entanto, ao dobrar a esquina do grande carvalho, viu algo que congelou seu sangue. Ao longe, através da cerca de ferro, ela avistou Eduardo. Ele não estava sozinho. Estava com uma mulher jovem, com os cabelos loiros que brilhavam sob o sol. Eles estavam juntos, abraçados, rindo como se o mundo ao redor não existisse.
O tempo parece não tocar quem trai, pensou Heloísa. O coração dela, por um momento, parou de bater, como se aguardasse uma resposta de si mesma. Mas não houve surpresa. Não houve choque. Apenas uma calmaria assustadora.
Ela voltou para casa em silêncio, como uma sombra que se recolhe ao fim do dia. O tempo já não importava mais; tudo agora era claro. O jogo dos gatos, o que é? Um devora o outro, lenta e silenciosamente. A diferença entre um gato e um traidor é que o gato nunca se esconde.
Mais tarde, naquela noite, Eduardo finalmente chegou. Heloísa já estava sentada à mesa de jantar, vestida em um elegante vestido azul, o favorito dele. A mesa estava posta para dois, com uma garrafa de vinho esperando ser aberta. Ela o cumprimentou com um sorriso suave, e ele retribuiu, talvez sentindo-se culpado, talvez tentando disfarçar o que já sabia ser impossível esconder.
– Você parece... diferente hoje. – Eduardo comentou, enquanto se sentava.
– Estou? – Ela respondeu, servindo-lhe um copo de vinho.
Ele a observou por alguns instantes, mas logo desviou o olhar para a comida. Heloísa, por sua vez, não tirava os olhos dele. Ela sabia que, naquele momento, o jogo havia mudado, e ele ainda não percebera.
– Hoje foi um dia interessante. – Ela disse, mexendo no talher de prata. – Eu vi algo que me fez pensar sobre... sobre o tempo.
Eduardo ergueu uma sobrancelha, curioso.
– O tempo?
– Sim. – Ela respondeu, calma. – Sabe o que o tempo faz com uma rosa, Eduardo? Ele a murcha, a destrói, transforma sua beleza em pó. E ele faz com tudo que é falso.
Ele riu, sem entender.
– Do que você está falando, Heloísa?
Ela então se levantou lentamente, dirigindo-se ao armário da sala. De lá, tirou uma pequena caixinha de madeira, um presente de casamento que jamais havia sido aberto. Colocou a caixa sobre a mesa, diante de Eduardo.
– O que é isso? – Ele perguntou, curioso
– Abra. – Ela disse, com uma leveza quase insuportável.
Eduardo hesitou por um momento, mas cedeu à curiosidade. Abriu a caixa com cuidado, e lá dentro estava um anel dourado, idêntico à sua própria aliança, mas torcido, deformado, como se tivesse sido corroído pelo tempo.
– Isso... o que significa isso?
Heloísa o encarou com um olhar que ele jamais vira antes, um olhar que gelou sua alma.
– Significa que o ouro, Eduardo, pode ser eterno. Mas o amor, quando traído, se deforma. Como este anel. Como nós.
Antes que ele pudesse reagir, o som do vidro quebrando encheu a sala. O copo de vinho de Eduardo caíra de suas mãos, e ele agora começava a sentir o efeito do veneno que escorregava por suas veias. O tempo, como sempre, chegava para todos.