A perseguição

Contos | Valter Figueira
Publicado em 14 de Fevereiro de 2022 ás 14h 53min

Noite de quinta feira e lua cheia. Sandra devaneava durante sua última aula da semana na escola Santa Cecília. História e geografia, era o que mais amava trabalhar. Gostava de viajar além das páginas dos livros didáticos e provocar os alunos sobre o que eles achavam de tais e tais acontecimentos históricos.

— Poxa professora! Então quer dizer que Hitler era o cara bonzinho que conquistou toda Alemanha e depois fez aquilo com os judeus?

— Para você vê né! O cara usou isso para matar milhões de pessoas inocentes.

E assim ia. Ela via no rosto de cada aluno ali sentado, mesmo depois de um dia exaustivo nas lavouras, uma curiosidade, uma vontade louca de saber. Às vezes precisava de um empurrão e isso era o verdadeiro trabalho do profissional da educação: Fazer com que o aluno tenha interesse em aprender cada vez mais.

Escolheu ser professora mesmo antes de entrar na universidade. Depois foi só paixão pela profissão e pelo curso que escolheu. Dava aulas durante o dia numa escola municipal no centro da cidade e a noite, três vezes por semana, ministrava aulas para o ensino médio na Escola Santa Cecilia há trinta quilômetros de sua casa.

Além de ser professora de história tinha outras paixões: o Palmeiras, seu time do coração e sua moto. Além é claro, de sua amada que lhe espera em casa todos os dias.

— E aí professora? Sua moto nova já chegou?

— Ainda não. A concessionária disse que chega sábado. Na próxima semana já venho com a minha “350 cilindradas.”

— É do mesmo preço de um carro. Porque você não compra um carro?

— Prefiro moto. Amo pilotar. Acho que vai ser difícil um dia eu trocar a moto pelo carro.

Sua paixão por motocicletas era evidente quando falava do prazer que era sentir o vento frio da noite, coisa que um automóvel não podia lhe proporcionar.

— Se eu viesse de carro já tinha acabado com ele nos buracos que têm nesse asfalto até a cidade.

Apesar das irregularidades que a rodovia oferecia com verdadeiras poças no meio do asfalto, pilotar numa noite estrelada era um desafio e um grande prazer para Sandra. Aquela quinta feira estava como adorava. A lua cheia clareando toda a estrada poderia desligar o farol da moto e sentir todo o vendo bater em sua face. É claro que não desligava o farol, senão poderia sofrer um grave acidente devido aos teimosos buracos que apareciam diariamente no asfalto.

Parou no quebra-molas antes de entrar de vez na rodovia. Esperou o professor Renato. Amigo e companheiro nas idas e vindas da cidade até a vila. Enquanto esperava ajeitou a jaqueta, imitação de couro. Acreditava que ainda compraria uma de couro com desenhos de motos antigas. Ajeitou também o capacete, pois não poderia e não queria entrar na rodovia com o capacete solto e a viseira levantada.

O combinado com o professor Renato era que sempre andariam um atrás do outro. Assim não correriam o risco de baterem um no outro quando fossem desviar dos buracos.

De repente, o professor Renato passou por ela a chamando.

— Vamos embora Sandra que amanhã ainda é dia de trampo.

Ela acelerou a sua moto e passou na frente do amigo. Não estavam com tanta pressa. Iam a uma velocidade moderada aproveitando a brisa e apreciando a vista que a lua cheia proporcionava. Tudo ia tranquilo e já tinham corrido cerca de dez quilômetros dos trinta que tinham que percorrer nos dias de aulas. Mas, até que um fato inesperado acontecesse.

— Corre Sandra. Tem quatro bandidos atrás da gente e eles querem as motos. Corre!!!!!

Seu amigo estava assustado e passou a uma velocidade que não era comum para uma pessoa tão calma e cuidadosa como o professor Renato.

A princípio ela não entendeu, quando olhou no retrovisor e conseguiu identificar a cerca de 2 quilômetros duas motocicletas com quatro pessoas. Acelerou a moto e quando estava conseguindo alcançar o amigo observou mais atenta no retrovisor para ver se tinha se distanciado dos bandidos. Não percebeu que seu amigo entrou no carreador da fazenda Santa Mônica. Provavelmente ele pediria ajuda ali. Se pelo menos conseguir encontrar alguém acordado e se o morador não o confundir com bandido e receber a bala — pensou ela.

Agora era só ela e os bandidos. Tinha que encontrar uma forma de despista-los, pois sua moto não era assim tão potente. Se tivesse com a sua 350 já estaria longe, mas sempre tem um “mas” para atrapalhar e os desgraçados apareceram justo naquele dia. O certo é que não deveria aparecer em nenhum dia para atrapalhar a vida de gente trabalhadora.

— Não posso entrar em desespero! Desgraça de moto que não corre como eu gostaria! Se tivesse com a minha bichona nova já estava em casa. Queria ver quem me pegaria. Vamos lá! Eu sei o que fazer, é um risco, mas vamos lá!

Depois de uma pequena curva a direita da rodovia, quando a estrada descia uma protuberância, no final da decida tinha uma estrada perpendicular a rodovia a esquerda. Sandra sabia até onde ela poderia ir para retornar à cidade. Se seguisse por ali na estrada daria uma volta de mais 10 quilômetros e então pegaria a rodovia e estaria em casa. E foi o que fez.

Ela estava a uma velocidade de quase 100 km por hora. Reduziu, mas não queria reduzir muito e fez a curva tão aberta que passou por cima do pequeno barranco. Desiquilibrou-se e com astúcia conseguiu controlar o veículo.

— E agora? Tenho que pensar em algo rápido para despistar esses caras. Senão logo eles me alcançam.

Cinco quilômetros mais à frente a estrada fazia uma curva à direita. A estrada era de chão, areia e ladeada por algumas moitas de capim. Poderia ali esconder facilmente uma moto e uma pessoa.

— É agora e seja o que Deus quiser. Vamos lá bichona, vamos ver se dá certo.

Antes da curva ela subiu no barranco. As moitas de capim chegavam a esconder a motocicleta. Ela desligou a moto, tombou com carinho para não arranhar a sua companheira e tirou a chave da ignição. Assim dificultará para os ladrões — pensou. Atravessou a cerca. Ainda bem que eram arames lisos, se não tinha se estrepada toda.  

Correu até uns pequenos arbustos que encontrou por ali. Sentou na grama, tirou o capacete e deitou-se. Ficou esperando se eles passariam e ao deitar percebeu algo úmido em seu joelho direito.

— Droga! O que é isso agora?

Ela tinha colocado o joelho num monte de estrume de gado ainda fresco. Tentou ajeitar a perna para que ficasse livre. Não era nada. Logo limparia e tudo ficaria bem.

No instante seguinte lembrou-se do refletor do capacete e tentou esconder ao máximo que podia. Ao ajeitar o seu corpo para fazer isso tocou um formigueiro.

— Mais essa agora!

Levantou deus alguns saltos para se livrar das formigas e procurou outros arbustos para esconder-se. Tirou a jaqueta e cobriu o capacete.

— Droga! E se eles encontrarem a moto? O refletor vai entregar-me que estou aqui. Mais essa agora!

Ficou ali por quase trinta minutos. Viu o celular. Não tinha torre. Não poderia ligar para alguém e ninguém lhe ligaria. De certa forma é bom, mas de outra não é — pensou.

O susto, o medo e o desespero era tanto que não lembrou de ver as horas de quando parou ali. Ou viu e não lembrava que horas eram. Só recordou que saiu da escola as 11 da noite e no celular já eram meia noite e 15.

— Caramba! Acho que já posso ir embora! Os caras já desistiram de me procurar! O Renato entrou na Santa Mônica. Acho que está tudo tranquilo e então posso ir para casa.

Ela se levantou e buscou uma folha de arbustos para limpar mais um pouco o joelho do estrume de gado.  Foi quando ela ouviu o barulho de motos vindo da direção da rodovia. Abaixou-se rapidamente e ficou quieta olhando rumo a curva. Era ali que estava a sua moto.

Os motoqueiros diminuíram a velocidade e pararam na curva. Agora dava para perceber claramente que eram quatro. Os da garupa tinham alguma coisa na mão e poderia ser armas. Eles nem desligaram os veículos. Ficaram cerca de um minuto apenas e um ou outro falava algo que não dava para se ouvir. Logo, seguiram estrada adentro.

— Droga! Vou ter que esperar eles voltarem. Não posso sair daqui. Vai que eu saio e eles retornam bem na hora.

Pegou o celular novamente e verificou que tinha uma barra de sinal de torre. Andou mais adiante e percebeu que o celular tocou.

— Alô. — Falou sussurrando com medo de que os bandidos pudessem estar perto e ouvissem. Do outro lado da linda uma voz parecia com a do Renato. Porém, na agenda do celular, a identificação era desconhecida. O Renato lhe falou que estava bem e ela conseguiu ouvir que a polícia estava na rodovia.

A transmissão não estava muito boa. Logo a linha caiu ou ficara sem sinal. Foi sorte. Assim que guardou o celular ouviu os motoqueiros retornarem. Pronto, agora vão perceber que a moto está ali — pensou.

Para a sorte dela, eles apenas diminuíram a velocidade para fazer a curva e seguiram rumo à rodovia. Mais uma vez ela teria que esperar mais um pouco e então ir embora. Acreditou que eles foram embora e se a polícia estava na rodovia certamente eles não irão atacar mais.

Foi o que fez. Aguardou um momento. Colocou e afivelou o capacete ainda antes de atravessar a cerca. Colocou a mochila nas costas e foi tirar a moto do matagal.

Quando a moto já estava na estrada, antes mesmo de ligar a partida, deu uma olha se estava tudo bem. Ligou e rapidamente chegou na rodovia. Antes de entrar de vez na rodovia esperou mais um pouco quando dois carros passaram rumo a cidade e assim seguiu.

Vinte minutos depois já estava em casa. Sua companheira estava desesperada querendo saber como foi se estava tudo bem. Que várias pessoas estavam ligando querendo saber o que aconteceu. Sandra passou uma mensagem de voz no grupo dos professores dizendo que tudo havia acabado bem quando já eram quase 2 horas da manhã.

— Que desespero meu Deus do céu. Mas se eu tivesse com a minha 350 eles não me alcançariam nunca!

Na sexta feira de manhã a concessionara ligou avisando que a sua nova moto estava pronta e ela já poderia buscar. Foi o que fez. Na loja mesmo comprou um adesivo do Palmeiras e colocou no tanque na sua nova máquina.

— Agora sim! Quero ver alguém tentar me alcançar.

Daquele fatídico dia em diante, até ontem, não houve nenhuma perseguição para que Sandra pudesse dar um show de velocidade e depois rir deles.

— Ainda bem, né! Já pensou se eles percebem que não vão conseguir me alcançar começam a atirar. Assim entraria em desespero de novo.

Comentários

Uuaaauuu, que suspense, ameeiii de montão ????????

| 15/02/2022 ás 12:39 Responder Comentários
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