A JANELA DO NADA

Cordel | Antologia Clube da Poesia e Declamação Gaúcha | CARLOS OMAR VILLELA GOMES
Publicado em 03 de Novembro de 2025 ás 16h 32min

A JANELA DO NADA

                     CARLOS OMAR VILLELA GOMES    E BIANCA BERGMAN                

 

A janela do nada não mostrava nada,
Numa falta de tristeza e alegria sem igual.
Debruçado sobre o tempo, transparência emoldurada...
De um nada sobre o outro fui erguendo o meu quintal.

A janela não mostrava a grama verde...
A janela não mostrava a cerração.
A janela me escondia os horizontes,
Confundindo os meus instintos de amplidão.
A janela era o fim do mundo inteiro.
Ponto final, não havia nada além.
A janela era o reflexo da vida,
Questionando os ideais de quem não tem.

A janela do nada me espiava dia e noite
Da parede de uma cela imaginária.
Eu não sabia que esses nadas são tão fortes!
Eu não sabia de onde vinha a minha estrada,
Mas seguia sempre em frente, sempre ao norte...
Só que a rosa, sem ter ventos, só tem nada.

A janela do nada era estranho paradoxo,
Que gravado na parede me fazia refletir;
No quadro não tinha vidro, fechadura, nem esquadro...
Assim, não havia nada, só pra o nada existir!

Mas um dia tão cansado da palidez da janela,
Resolvi fugir da cela, que ali me aprisionava;
Quando senti a coragem fervilhando pelas veias,
Pulei então da janela onde o nada me esperava.

Caí...
Caí de muitas alturas, muitos tombos diferentes.
Quebrei a cara e os dentes,
Sangrei na alma e nas mãos;
Até que, ainda sangrando, eu pisei na grama verde,
Notando um fio de horizonte nas brumas da cerração.

Aos poucos, bem aos poucos, lentamente,
Meus olhos foram se abrindo...
Me vi de alma rasgada, mas una e indivisível!
Até que, então, distraído, buscando flores de maio,
Eu tropecei no balaio de um indiozinho invisível.

O menino transparente num repente ganhou formas...
Modelado pela vida, bermudas e pés no chão.
Ao seu lado outra criança e outra, outra mais outra...
Estranha tribo pintada no centro do calçadão!

 

E eu, que só via o nada, retornei a ter visão!

Um me pedia um trocado, outro comia bolacha...
E eu olhando assustado, além do mundo do nada.
Na palidez colorida, nas formas bem encontradas

De ver crianças e vidas a enfrentar suas desgraças!

 

Mirei os olhos miúdos da pequeninha, que ria...

Seu semblante reluzia um sorriso desdentado;

O que terá de pecado esse serzinho inocente?

O que falta em seu legado pra ser tratada por gente?

 

Tinha um piá, já taludo, que me chamava de tio...

Pedia um pila, um sorvete, do seu jeito amedrontado;

Um outro mirou meus olhos com seus olhares vazios,

Vendendo a alma, a história e um cesto em dores trançado!

 

Então olhei pra janela e a janela quebrou...

A parede desabou, o marco se derreteu;

O nada virou em nada quando meu sangue pulsou

E revelou realidades muito maiores que eu!

 

Mirei a dor da injustiça, as máculas da violência,

Quando razão e ciência renegam o amor de Deus;

Mirei pessoas tão boas, mas sem paixão e paciência,

Pela janela do nada, deixando nada pra os seus!

 

Mirei as causas da fome, mirei as bocas famintas...

As dores e os labirintos de um mundo em devastação;

Pois a janela do nada quebrou-se pelo caminho,

Quando um pequeno indiozinho surgiu no meu tropeção!

 

Então larguei a janela, que me ocultava a verdade,

E abracei com vontade um mundo sem tranca ou portas;

Achei naquele indiozinho minha noção de igualdade,

Pois a janela do nada negava aquilo que importa!

 

Assim, refiz meu destino, queimei as cartas marcadas...

Redesenhei alvoradas nos olhos de cada irmão;

Já não importam distâncias, nem misérias, nem pegadas,

Pois a janela do nada é nada pra o coração!

 

 

Comentários

Olá! Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo. Ao utilizar este site, você concorda com o uso de cookies.