Vivemos tempos em que o invisível ganhou protagonismo. São promessas, preces, amuletos, decretos espirituais — toda sorte de fórmulas mágicas oferecidas como panaceia para a angústia cotidiana. Em meio ao caos, as pessoas se apegam ao que encontram, ainda que seja frágil como névoa.
Mas o que se esconde por trás desse apego desesperado ao místico não é fé — é fuga. Fuga do real, fuga do outro, fuga da responsabilidade compartilhada. Porque pensar exige esforço. E pensar coletivamente exige mais do que esforço: exige entrega. Exige sair da própria bolha e reconhecer que, por mais que um indivíduo alcance uma melhoria ilusória, ela será frágil enquanto a coletividade estiver afundada.
Não há verdadeira paz onde a maioria sofre. Não há felicidade legítima onde reina o abismo social. Enquanto a busca for solitária, o resultado será efêmero. Enquanto o clamor for individualista, o silêncio do outro continuará ensurdecedor.
Há dores que só se curam em comunidade. Há caminhos que só se constroem quando mãos se entrelaçam. Mas é mais fácil buscar milagres do que mudar estruturas; é mais cômodo confiar em forças invisíveis do que unir forças humanas.
E, assim, seguimos: cada um agarrado ao seu talismã — enquanto a esperança, essa sim real e concreta, escorre pelos dedos da nossa falta de união.