Figuras de linguagem na poesia: a expressividade da palavra


Publicado em 20 de Março de 2025 ás 08h 00min

A poesia, enquanto manifestação estética da linguagem, utiliza-se de recursos expressivos que extrapolam o sentido denotativo das palavras para construir imagens, evocar emoções e criar atmosferas singulares. Entre esses recursos, as figuras de linguagem desempenham um papel essencial, conferindo ao poema musicalidade, intensidade e múltiplas camadas de interpretação.

Segundo Aristóteles, na Poética, a função essencial da linguagem poética está no seu poder de imitação (mímesis), que se dá, entre outros aspectos, pelo uso de metáforas e de outros recursos figurativos. Já Roman Jakobson (1960), em seus estudos sobre a função poética da linguagem, destaca que a poesia se estrutura a partir da projeção do eixo paradigmático sobre o sintagmático, o que evidencia o jogo de figuras de linguagem como elemento organizador do discurso poético.

Neste artigo, exploramos algumas das principais figuras de linguagem na poesia, analisando seu funcionamento e impacto no discurso lírico.

 

1. Metáfora e Metonímia: Fundamentos da Expressão Poética

A metáfora, uma das figuras mais estudadas na teoria literária, estabelece uma relação de semelhança implícita entre dois termos distintos. Paul Ricoeur (2000), em A Metáfora Viva, argumenta que a metáfora não é apenas uma substituição lexical, mas um ato de redescrição da realidade, criando novos sentidos a partir do deslocamento semântico.

 

Exemplo:

“O amor é um fogo que arde sem se ver” (Camões)

Aqui, o amor é metaforicamente descrito como um fogo, sugerindo intensidade e paixão, sem que haja uma correspondência literal entre os termos.

 

A metonímia, por sua vez, substitui um termo por outro que mantém com ele uma relação de contiguidade, como a parte pelo todo ou o autor pela obra. É um recurso frequente na poesia para sugerir sentidos de maneira indireta.

 

Exemplo:

“Beber um cálice de amargura”

Neste caso, "cálice" representa, metonimicamente, o conteúdo que nele está contido (o sofrimento).

 

 

2. Anáfora e Paralelismo: A Musicalidade na Repetição

A anáfora consiste na repetição de uma palavra ou expressão no início de versos sucessivos, intensificando a expressividade do poema. Octavio Paz (1984), em O Arco e a Lira, destaca a repetição como um dos princípios da estruturação rítmica do poema.

Exemplo:

“Se tu me amas, ama-me baixinho

Não grites de cima dos telhados,

Deixa em paz os passarinhos...” (Mário Quintana)

 

Aqui, a repetição do verbo "amar" reforça a delicadeza e o tom intimista do poema.

O paralelismo, por sua vez, estrutura-se pela repetição de construções sintáticas similares, criando um efeito rítmico e reforçando ideias.

 

Exemplo:

“Tudo é vaidade, tudo é poeira, tudo é nada.” (Gregório de Matos)

A repetição do padrão sintático evidencia a vacuidade da existência, tema central na poética barroca.

 

3. Aliteração e Assonância: A Harmonia dos Sons

A aliteração consiste na repetição de sons consonantais, gerando efeitos de sonoridade e musicalidade.

 

Exemplo:

“Vozes veladas, veludosas vozes” (Cecília Meireles)

A repetição do som /v/ cria um efeito de suavidade e mistério, intensificando o lirismo do verso.

 

Já a assonância caracteriza-se pela repetição de sons vocálicos, proporcionando uma musicalidade melancólica ou enérgica.

 

Exemplo:

“Sou um mulato nato no sentido lato” (Caetano Veloso)

A repetição do som /a/ confere ao verso um ritmo fluido e melódico.

 

4. Hipérbole e Antítese: O Jogo dos Extremos

A hipérbole consiste na ênfase por meio do exagero, comum na poesia romântica e barroca.

 

Exemplo:

“Mil beijos eu te daria se mil tivesse” (Vinicius de Moraes)

A amplificação numérica intensifica o sentimento amoroso.

 

Já a antítese contrapõe ideias opostas para criar contraste e tensão.

 

Exemplo:

“É ferida que dói e não se sente” (Camões)

A justaposição de dor e insensibilidade ressalta a contradição do amor.

 

 

5. Prosopopeia e Sinestesia: O Estímulo aos Sentidos

A prosopopeia (ou personificação) atribui características humanas a seres inanimados ou abstratos.

 

Exemplo:

“O vento sussurra segredos noturnos”

Atribuir voz ao vento humaniza o fenômeno natural.

 

A sinestesia, por outro lado, mistura sensações de diferentes esferas sensoriais.

 

Exemplo:

“O perfume doce da tua voz”

A fusão de olfato (“perfume”) e audição (“voz”) amplia a experiência sensorial do leitor.

 

O estudo das figuras de linguagem na poesia revela a riqueza expressiva do discurso poético, ampliando suas possibilidades de significação. Conforme aponta Ezra Pound (1934) em ABC da Literatura, a função da poesia é carregar a linguagem ao máximo de sua intensidade. As figuras de linguagem, nesse contexto, são as ferramentas essenciais para esse processo de intensificação e ressignificação da palavra.

 

A poesia, ao romper com os limites da comunicação utilitária, evidencia o poder transformador da linguagem, revelando novas perspectivas do mundo e do próprio eu lírico. Assim, o poeta, como sugere Octavio Paz, transforma a palavra em metáfora viva da existência, revelando a essência do ser através do ritmo, da imagem e da sugestão.

 

Referências Bibliográficas

  • ARISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo: Editora Unesp, 2017.
  • JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 1960.
  • POUND, Ezra. ABC da Literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
  • PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
  • RICOEUR, Paul. A Metáfora Viva. Trad. Dora Ferreira. Campinas: Papirus, 2000.

 

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